OS PRAZERES DO ENOTURISMO NA BORGONHA, BEAUJOLAIS, RHÔNE E JURA
16 ago 2016, Posted by Notícias e Artigos inpor Aguinaldo Záckia Albert
Como tem acontecido nos últimos anos, a confraria de enoturismo DEGUSTADORES SEM FRONTEIRAS realizou mais uma visita a regiões produtoras de destaque da França. Desta vez dentre os destinos escolhidos o maior destaque foi dedicado à mais tradicional região francesa, a Borgonha, terra em que as castas Pinot Noir e Chardonnay reinam absolutas.
Como acontece normalmente em nossas viagens à região, nos hospedamos nas cercanias de Beaune, a capital do vinho da Borgonha, num pequeno e aconchegante château construído no século XVIII. Beaune tem uma situação invejável para o turismo do vinho, da gastronomia e da cultura. Essa antiga cidade medieval localiza-se bem no meio da Côte D´Or, a mais importante região de vinhos da Borgonha, que se estende no sentido norte-sul de Dijon até o Mâconais.
É na sua porção mais setentrional, a Côte-de-Nuits , que vamos encontrar os tintos mais ricos, estruturados e longevos. Ela abriga em suas fronteiras as comunas de Chambertin, Gevrey-Chambertin, Morey-Saint-Denis, Chambolle-Musigny, Clos de Vougeot, Vosne-Romanée (onde se situa o mítico Domaine de la Romanée-Conti) e Nuits-Saint-Georges. A Côte-de-Beaune se inicia na cidade do mesmo nome e vai até a Côte-Chalonnaise, no sul, e é mais famosa por produzir os melhores vinhos brancos do planeta, feitos a partir da uva Chardonnay, e muitos bons tintos oriundos da variedade Pinot Noir, como o Clos-des-Mouches. Suas principais denominações de origem são Aloxe-Corton (berço do magnífico Corton-Charlemagne), Pommard e Volnay ( que produzem tintos), Meursault, Puligny-Montrachet (onde se encontra o melhor, mais famoso – etambém o mais caro—dos vinhos brancos), o Montrachet, e Chassagne-Montrachet.
VISITAS NA CÔTE-D´OR
Nosso roteiro incluiu alguns dos mais renomados produtores dessa região, lembrando que as visitas de nosso grupo não podem ser classificadas como apenas turísticas, mas são visitas diferenciadas, o que implica numa recepção especial — geralmente feita por um diretor do domaine—e a degustação dos melhores vinhos da casa. A vinícola ALBERT-BICHOT, sediada em Beaune, foi a primeira a nos receber numa chuvosa e friorenta manhã de segunda-feira. Após uma visita às suas amplas instalações , seu diretor, Philippe de Mercilly, nos conduziu por uma das melhores degustações da viagem. Provamos dez de seus melhores crus e foi como se o sol aparecesse, tal o efeito produzido no grupo, bastante ansioso por iniciar a tão aguardada peregrinação pelas vinícolas . Os grandes destaques foram os brancos, dois da região de Chablis, onde a casa produz vinhos com a etiqueta Long-Dépaquit: Chablis 1er Cru “ Les Vaucopins” 2009 e Chablis Grand Cru “ Les Vaudesirs” 2007 , harmoniosos, com forte presença mineral e cítrica sobre um fundo amendoado, características típicas dos melhores vinhos da região, e um maravilhoso Meursault 1er Cru “Les Charmes” Domaine du Pavillon 2007, da Côte-de-Beaune, rico e muito macio na boca, um vinho realmente notável. No rol dos tintos, destacaram-se o Nuits-Saint-Georges 1er Cru “ Les Crots” 2009 , amplo e complexo, e o excelente Gevrey-Chambertin 1er Cru “ Lavaux Saint-Jacques 2009. Tais vinhos, apesar de ainda muito jovens, já podiam expressar todo seu potencial de evolução.
Seguimos então para o centro histórico da charmosa Beaune, onde almoçamos e, depois de uma breve caminhada , rumamos para Nuits-St-Georges, a poucos quilometros dali, para visitar nosso segundo produtor, o DOMAINE FAIVELEY, instalada na cidade desde 1825. Sempre em mãos da família, sua direção passou recentemente para o jovem Erwan Faiveley, que implantou um amplo projeto de modernização da vinícola. Seus vinhos são produzidos a partir das uvas colhidas nos 120 hectares de sua propriedade, espalhados por vinhedos da Côte de Nuits, Côte de Beaune e Côte Chalonnaise. A degustação dos vinhos foi conduzida pela bela Clémentine Barbier e, curiosamente, começou com a prova dos vinhos tintos passando depois para os brancos. Aliás, não é a primeira vez que vivo essa experiência com produtores da Borgonha. É sem dúvida uma prática polêmica que poderíamos discutir aqui. Mas isso é uma outra história… Dois vinhos mereceram grande atenção. O Mazis-Chambertin Grand Cru 2010 (mais jovem ainda do que na vinícola anterior) e o Meursault 1er Cru “ Charmes “ 2010, um ótimo branco e já relativamente pronto para ser bebido.
Resolvemos que o grupo merecia jantar em grande estilo, após a correria da viagem e a sempre sofrível comida de avião. Levei-os então a um dos meus restaurantes preferidos, o Restaurant Simon, situado na minúscula vila de Flagey-Echézaux, um restaurante familiar , tocado pelo casal Simon, ela no salão, ele, nas panelas. Fica a poucos minutos de Vosne-Romanée e do Clos de Vougeot. Sempre que vou à Borgonha marco minha presença nesse restaurante de comida requintada e frequência quase que exclusivamente francesa. Serve-se ali talvez o melhor foie gras da região. O vinho da noite foi, como não poderia deixar de ser, um Clos de Vougeot Grand Cru 2005 Domaine Cocquard, este sim já maduro, opulento e elegante.Um vinho memorável.
Na manhã seguinte , terça-feira, o tempo se mostrou muito mais agradável e seco, com algumas aparições do astro-rei, o que levantou ainda mais o ânimo do grupo, agora já descansado da viagem. Fizemos então aquela que posso considerar nossa mais curiosa visita, a realizada ao DOMAINE LOUIS LATOUR. Esse tradicional pordutor borgonhês elabora vinhos na região desde 1797 e continua em mãos da mesma família após dezessete gerações. Na primeira parte do programa, feita logo cedo, levei o grupo para Beaune, onde visitamos a tanoaria do grupo. Pudemos então presenciar todo o processo – extremamente artesanal – da produção das barricas de carvalho da maison, a única a realizar esse trabalho na Borgonha. Foi uma visita empolgante e inusitada, pois pouquíssimos amantes do vinho tiveram oportunidade de vivenciar tal experiência. Dali partimos para o Château Corton-Grancey, em Aloxe-Corton, onde são vinificados os vinhos, um vetusto prédio construído no século XVIII, o primeiro a utilizar o princípio da gravidade na elaboração do vinho na Borgonha. Antes da degustação, visitamos as caves e o vinhedo Grand Cru logo ao lado. Destacaram-se os vinhos Louis Latour Corton-Charlemagne Grand Cru 2009 e o tinto Grevey-Chambertin 1er Cru 2009.
Outro produtor de grande tradição seria visitado à tarde. A MAISON LOUIS JADOT, fundada em 1858, nos recebeu em suas moderníssimas instalações na cidade de Beaune, fato pouco comum em se tratando de Borgonha, onde a modernidade poucas vezes chega às instalações de vinificação. O simpático enólogo Olivier Masmondet nos mostrou a cuverie com suas grandes cubas de carvalho, onde os vinhos são vinificados. Pudemos inclusive acompanhar o processo de bâtonnage do vinho da última safra, em plena fermentação. Na degustação que se seguiu, os vinhos mostraram a alta qualidade que consistentemente confirma o prestígio da maison. Dentre os brancos, vale lembrar o Louis Jadot Chassagne-Montrachet 2007, espetacular com suas notas de manteiga, amêndoas e avelãs. Os tintos a serem lembrados foram o Louis Jadot Nuits-St-Georges “ Boudots” 2007, um premier cru dessa importante appellation, rico e bem estruturado, e o excelente Louis Jadot Clos de Vougeot Grand Cru 2006, sem dúvida um dos pontos altos da viagem.
A quarta-feira foi totalmente dedicada às atividades culturais e gastronômicas. Visita ao legendário Clos de Vougeot, o monastério medieval construído pelos monges cistercienses, os grandes enólogos de seu tempo, foi conservado de forma impecável e hoje é um museu que abriga muitas atividades culturais, inclusive os famosos leilões dos Hospices de Beaune e a Confrérie des Chevaliers du Tastevin, a mais famosa do mundo. Ao seu lado, o famoso vinhedo de onde saíriam os vinhos que abrilhantariam o sempre lembrado jantar do filme “ A Festa de Babette”.
Saímos dalí rumo ao norte onde, a pouquíssimos quilometros dali, Dijon nos aguardava com uma das melhores surpresas gastronômicas do tour, o almoço na Hostellerie du Chapeau Rouge. O restaurante do Chef William Frachot mostrou sua competência e porque mereceu duas estrelas do Guide Michelin. Comida requintada, boa carta de vinhos e serviço eficiente e simpático. Saciados e felizes, partimos a pé para o centro histórico da bela capital da Borgonha com suas lojas elegantes e suas boutiques de mostardas, especiarias e gourmandises.
A volta para Beaune – apenas 47 km – foi uma espécie de peregrinação santa pelos mais famosos vinhedos da Côte-de-Nuits, que culminou com a visita a Vosne-Romanée , comuna que abriga os vinhedos desse santuário do vinho que é o Domaine de la Romanée-Conti. Não parar ali seria como ir a Roma e não visitar o Papa. O final de tarde estava espetacular e o céu belíssimo, ainda com algumas nuvens, mas cortado por um maravilhoso arco-íris. Resolvemos não jantar fora e improvisar alguma coisa no hotel. Compramos no caminho bons queijos e jambons, terrines, vinhos capitosos e fizemos nossa refeição no hotel-château. Ninguém se arrependeu de não ter saído…
As pessoas desavisadas podem tremer diante da placa no muro da pequena viela medieval, bem no centro de Beaune: Rue d ´ Enfer (Rua do Inferno). Mal sabem que aquele é um dos caminhos que levam ao paraíso, pois no número 7 dessa misteriosa rua, numa velha construção aparentemente modesta bem ao lado da velha igreja, se situa um dos mais tradicionais produtores da Borgonha: a MAISON JOSEPH DROUHIN. A sofisticação austera do lugar é percebida logo na sala de entrada, que no entanto não é grande. Porém, quando se desce as escadarias de pedra que levam aos porões pode-se ter uma idéia da verdadeira dimensão da maison. São vários quilometros de túneis ligando salas e mais salas repletos de barricas e garrafas tomando boa parte dos subsolo da cidade de Beaune! Lado a lado, pode-se ver muros que datam da presença romana na Borgonha e outros da alta Idade Média, um local realmente fascinante para se produzir, fazer a élevage de vinhos e também degustá-los. E foi o que fizemos. As menções especiais foram para o Puligny-Montrachet 2009 e o finíssimo Clos des Mouches 1er Cru 2009.
O dia continuou com passeios a pée de trenzinho (isso mesmo, de trenzinho, a melhor forma de cruzar as estreitas ruas medievais da cidade) e visitas a lojas de vinho, fromageries e delicatessens. Mas o que marca mais a cidade é seu magnífico Hospices de Beaune, também conhecido como Hôtel-Dieu (Santa Casa , numa tradução livre)um hospital para pobres fundado em 1443 pelo benemérito Nicolas Rolin, que funciona até hoje como um bem conservado museu. Uma visita imperdível para quem visita a Borgonha.
UM PULINHO NO BEAUJOALIS RUMO A LYON
Nosso destino agora era o sul, e como íamos para Lyon, aproveitamos para visitar uma das principais cidades produtoras do Beaujolais, Moulin-à-Vent. O moinho de vento estava lá, numa colina da pequena cidade que dele emprestou o nome, e o produtor CHÂTEAU DES JACQUES a poucos quilometros dali. Essa bela propriedade pertence ao produtor borgonhês Louis Jadot, que havíamos visitado anteriormente. Fomos recebidos por seu loquaz e simpático diretor, M. Guillaume de Castelnau, um “ terroirista “ entusiamado que, após um longo discurso sobre sua filosofia de vida (ligada sempre ao seu modo de fazer vinhos), passando pelas virtudes da agronomia natural e bio-dinâmica, nos ofereceu seus ótimos crus, alguns deles fora de série, como o Moulin-à- Vent Clos des Rochegres 2009 e o Morgon “ Côte du Puy” 2009, ambos belamente estruturados e com grande aptidão para envelhecer.
Lyon, capital gastronômica da França, além da beleza e da rica história da cidade cortado pelos dois grandes rios, o Rhône e o Saône, marcou a memória dos Degustadores Sem Fronteiras principalmente por dois eventos. O primeiro deles aconteceu logo na manhã do sábado, no principal ponto turístico da cidade, o mercado central Halles Paul Bocuse. Ali, além das maravilhosas visitas, participamos de um Cooking Class no atelier do Chef Philippe Léchat, onde preparamos nosso próprio almoço.Ficou delicioso! Mas o ponto alto da gastronomia foi atingido no dia seguinte, um garoento e frio dia de domingo, quando fomos almoçar no mais reverenciado restaurante da França, o RESTAURANT PAUL BOCUSE. Como sempre que o visitamos, o grande chef estava lá, inabalável nos seus 85 anos de idade, simpaticíssimo, recebendo-nos na porta, tirando fotos e dando autógrafos a todos do grupo. O almoço foi impecável, e não poderia ser de outra forma na casa daquele que ostenta as três estrelas do Guide Michelin por mais de 26 anos sem nunca ter perdido nenhuma delas.
O RHÔNE E O JURA
A proximidade de Lyon com as mais importantes comunas produtoras do Rhône é muito grande. Assim, não resistimos em fazer uma visita a Ampuis, na Côte-Rôtie, onde se encontra um dos meus produtores prediletos dessa região. A Pinot Noir, a Chardonnay e a Gamay haviam ficado para trás; beberíamos agora tintos mais encorpados (mas elegantes) à base de Syrah e brancos feitos com a Viognier. Ali nos esperavam os sempre simpáticos diretores da MAISON VIDAL-FLEURY Regnier Vigouroux e Guy Sarton du Jonchay, que nos regalaram com um amplo painel de vinhos.Dentre os onze vinhos servidos, ao menos três merecem menção : o Condrieu 2009, o Hermitage Rouge 2001 e o excelente Côte-Rôtie Brune et Blonde 2005.
Já na parte final de nosso tour, rumamos de Lyon para a encantadora cidade de Annecy, nos Alpes franceses. O atrativo ali não é o vinho, mas a paisagem, a boa comida e a placidez de seu lado. Inquietos ainda por mais vinhos, nosso grupo reservou um dia para visitar a pouco conhecida região francesa do Jura, um pouco além de Genebra. Chegando em Arbois, capital da região, fomos visitar o Museu Louis Pasteur, situado na casa em que havia morado por muitos anos. Como ex-aluno do Liceu Pasteur de S. Paulo, não poderia perder essa visita, ainda mais quando se trata da terra de um gênio legou à humanidade grandes contribuições. A vacina contra a raiva foi a maior delas , mas não devem ser esquecidos as suas descobertas feitas sobre a fermentação e o vinho. A história várias vezes milenar do vinho tem duas etapas: antes e depois dessa figura genial.
Feita a visita reverencial, um saboroso almoço com pratos e vinhos locais e nossa visita ao produtor DOMAINE ROLET. O JURA é uma das menores regiões produtoras francesas, mas mesmo assim responsável pela produção de vinhos bem interessantes. A produção vinícola data da presença romana. Mais tarde, entre os anos 1556 e 1678, a província passou pelo domínio espanhol, que deixaria sua marca no estilo do vinho da região. Refiro-me ao Vin Jaune (Vinho Amarelo) produzido com a uva Savagnin, cujo processo de elaboração (e sabor) lembra o Jerez espanhol. Pierre Rolet é um dos grandes nomes da região e produz um excelente Vin Jaune, além de outra especialidade regional, o Vin de Paille, este um delicioso vinho de sobremesa. As principais uvas da região são as tintas Pulsard, Trousseau e Pinot Noir; as brancas são a já mencionada Savagnin, Chardonnay e Sauvignon Blanc. Na degustação pudemos perceber a nítida superioridade dos brancos sobre os tintos. As presenças mais marcantes foram o Vin Jaune 2005 , com seis anos e meio de estágio em barricas de carvalho, e o doce Vin de Paille 2005, uma mescla de Chardonnay, Savagnin e Pulsard , em partes iguais, bastante interessante.
Nosso tour de vinhos termina por aqui, embora a viagem continuasse ainda alguns dias pela Suíça, onde nos aguardavam os deliciosos queijos da cidade de Gruyères…
Até a próxima!