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O VINHO SOB O CÉU DA TOSCANA

16 ago 2016, Posted by degustadoresfronte in Notícias e Artigos

Por Aguinaldo Záckia Albert

Terra dos Etruscos, que ali reinavam antes da expansão do Império Romano,  a Toscana tem uma longa tradição vinícola. Alguns séculos antes da dominação romana, seus habitantes já haviam tido contato com as colônias gregas do sul da Itália. Com isso, algumas técnicas vitivinícolas já haviam sido adotadas na região quando Roma, no século III a.C., agrega a Etrúria a seu território.
Graças à pujança cultural e econômica no final da Idade Média, a Toscana é uma das regiões com maior documentação disponível a respeito das tradições e costumes vinícolas. Berço do Renascimento, cidades autônomas como Firenze (Florença) e Siena eram centros culturais e de comércio, e muitas das exportações de vinhos eram negociadas nestas cidades. Antes dominada pela cultura do trigo e das oliveiras, a região vê crescer em tamanho e importância o plantio de uvas para a produção vinífera a partir da sucessão de governos dos Médici.
Desde esta época, o Chianti já era considerado o vinho mais valorizado da Toscana, tendo sido posteriormente, em 1716, a primeira região demarcada da Toscana por Cosimo III dei Medici, grão-duque da época. Tendo tido momentos de glória e de obscuridade, o Chianti está há séculos ligado a nomes nobres que até hoje o produzem, como Frescobaldi, Ricasoli e Antinori. Ao mesmo tempo, na mesma Toscana, surgiu um importante movimento que causou a recente revisão da legislação italiana para o vinho e a ascensão de estrelas como o Tignanello e o Solaia, acrescentando novas uvas italianas e francesas ao panorama da produção vinícola regional.

Aspectos geográficos
A Toscana marca o início da área central da Itália, fazendo fronteira ao norte com a Emilia-Romagna, a noroeste com a Ligúria e ao leste com Marche e Úmbria. O limite ao sul é o Lazio (região de Roma), sendo o Mar Tirreno seu limite a oeste. A região é dominada por suaves colinas , tendo apenas 8 % de áreas planas e o restante do território já mais acidentado, na subida dos montes Apeninos a leste. A região se estende por cerca de 23 000 km2 , com uma área plantada de 64 000 ha e produz 2,9 milhões de hectolitros por ano.
Encontramos vários tipos de solo na região. Na parte nordeste, é de origem calcária e dolomítica. No pré-Apenino, as colinas de origem vulcânica são manchadas por áreas argilosas e arenosas. Nas bacias dos rios Arno, Orta e Ombrone, os solos são arenosos, tendo no primeiro predomínio de rochas sedimentares e nos demais de cascalho grosso.
Os principais rios são o Arno, Tevere e Ombrone, tributários do Mar Tirreno, a oeste, e Reno, Santerno e Lamone, que deságuam no Adriático, mar que banha o leste da bota. As chuvas atingem, em média, 600 mm/ano; o clima no interior é mais seco e frio, ficando temperado à medida que se aproxima da costa. A vegetação é dominada pelos ciprestes e outros arbustos, além das oliveiras e videiras que ocupam vastas áreas de cultivo.

Suas Uvas
A principal uva tinta é sem dúvida a Sangiovese, seguida pela Canaiolo, a Prugnolo Gentile, a Brunello (que brilha em Montalcino), a Pollera Nera, a Morelino di Scansano e as francesas Cabernet Sauvignon e Merlot.

No campo das brancas encontramos a Malvasia do Chianti, a Malvasia di Candia, a Trebbiano, a Vermentino di Luni, a Ansônica e as gaulesas Chardonnay e Sauvignon Blanc.

Seus principais vinhos

CHIANTI
Documentos do século XIII já faziam referência ao vinho Chianti e à sua região de origem. Na verdade, a região do Chianti disputa com a do vinho do Porto, em Portugal,  a primazia de ter sido a primeira delimitação oficial de produção. Em 1716, o grão-duque da Toscana, Cosimo III, da dinastia Medici, demarcou as colinas entre as cidades de Firenze e Siena como área autorizada a utilizar a denominação Chianti. Assim, o eixo cultural do Renascimento e um dos primeiros focos que futuramente formariam uma identidade nacional italiana acabou também se tornando um dos símbolos enológicos da Itália.

Apesar do reconhecimento legal e do mercado global, ainda havia uma grande flexibilidade no uso das uvas que compunham os Chianti. O pouco cuidado com a seleção de cepas e a vinificação conjunta de uvas tintas e brancas fazia com que a produção regional fosse bastante heterogênea. Pode-se dizer que o Chianti “moderno” foi inventado em 1872 pelo barão Bettino Ricasoli, de uma das tradicionais famílias produtoras da região. Após anos de estudo enológicos na reclusão do Castello di Broglio, uma bela propriedade de sua família, o homem que foi o segundo primeiro-ministro da Itália unificada chegou a uma fórmula para definir o vinho do Chianti. Para vinhos de guarda, a Sangiovese deveria representar papel majoritário, podendo ser amaciada por uma pequena parcela de Canaiolo. Para vinhos mais jovens, poderia-se ainda acrescentar um pouco da branca Malvasia, para dar leveza e frescor. A proporção por ele considerada ideal era 90% de Sangiovese, 8% de Canaiolo e 2% de Malvasia, podendo chegar a 10% a adição de uva branca para vinhos jovens. Esta receita se firmou por muito tempo, tendo sofrido pequenas alterações posteriormente, como a permissão para o uso da Trebbiano, também branca, na composição.

O CHIANTI CLASSICO E O CHIANTI PUTTO
O crescimento da fama do vinho do Chianti favoreceu a expansão das plantações e do número de produtores, já não “cabendo” mais na pequena região delimitada por Cosimo de Medici séculos antes. Com o surgimento de novas denominações e de proprietários que privilegiavam a produção em larga escala de vinhos de qualidade duvidosa, a reputação do Chianti começou a sofrer sérios abalos. A fim de contornar a situação, um comitê de produtores denominado Consorzio Vino Chianti Clássico estabeleceu em 1924 uma nova regulamentação. Tendo como símbolo o Galo Nero, um selo com um galo negro até hoje colado ao gargalo, estes produtores restringiram a denominação Chianti Classico à área originalmente demarcada como Chianti, na qual uma legislação própria foi adotada.

Indignados pela mudança nas regras, produtores excluídos da zona original se reuniram numa organização conhecida como Consorzio Vino Chianti Putto, simbolizado por uma criança que representa Baco quando jovem. Em 1932, com a comissão Dalmasso, os vinhos obtiveram o reconhecimento de que poderiam usar a denominação Chianti por questões de proximidade de condições geológicas e climáticas e pelas prática enológicas similares. Além disso, o uso do nome Chianti lhes emprestaria maior prestígio no mercado. A rixa continuou por décadas e a introdução do DOC (Denominação de Origem Controlada) nos anos 60 mudaria novamente o panorama da região em termos de prestígio e valor.

O Consorzio não existe mais e o vinho Chianti Putto é hoje chamado apenas de Chianti, sendo os mais renomados  o Chianti Colli Fiorentini, o Chianti Colli Senesi e o Chianti Rufina.

VINHOS  DOC E DOCG
A introdução do marco regulatório em 1963 na Itália inteira trouxe ao mesmo tempo avanços e idiossincrasias para a cultura vinícola em todo o país. As rígidas regras para a obtenção do DOC (Denominazione di Origine Controlatta) melhoraram as exigências em relação ao manejo da videira, à escolha das cepas do corte, do método de vinificação, entre outras questões técnicas. Ao mesmo tempo, essa legislação rigorosa permitia que o vinho Chianti pudesse ter em sua composição até 30% de uvas brancas, gerando uma invasão de vinhos claros e mais baratos de produtores de menor prestígio. O descontentamento de produtores tradicionais com as novas regras levou à aparição do fenômeno dos supertoscanos.
A nova legislação vinícola, de 1984, que introduziu o conceito de IGT para vinhos com formulação distinta e tornou mais maleável algumas das regras anteriores, deu força para a recuperação do Chianti, que foi elevado à categoria de DOCG (Denominazione di Origine Controlatta e Garantita). Ao mesmo tempo em que a denominação dava mais prestígio a todos os vinhos da região, indistintamente, por outro lado limitou a adição de uvas brancas e abriu espaço para a utilização de 10% de uvas não-tradicionais, como Cabernet Sauvignon, permitindo que bons vinhos feitos com este corte ganhassem o direito de usar a denominação Chianti ou Chianti Classico, de acordo com a região.

COMPOSIÇÃO DAS UVAS  DO CHIANTI E DO CHIANTI CLASSICO
De 1984 até 2006, passou a valer a seguinte norma para a produção:

Chianti
Sangiovese – de 75% a 100%
Canaiolo – até 10%
Trebbiano e/ou Malvasia – até 10%
Outras tintas – até 10%
Chianti Classico
Sangiovese – de 75% a 100%
Canaiolo – até 10%
Trebbiano e/ou Malvasia – até 6%
Outras tintas – até 15%

Em 2006, ficou proibida a utilização de cepas brancas (Trebbiano e Malvasia) em vinhos do Chianti.
OS SUPERTOSCANOS

Após a primeira regulamentação, muitos produtores se rebelaram com as regras estabelecidas na Toscana como um todo e passaram a adotar uvas e cortes seguindo suas próprias regras, sintonizados nas tendências globais de enologia. Com critérios rígidos de plantio, escolha de clones, condução de parreiras e vinificação, além do uso de varietais como Cabernet Sauvignon e Merlot, tais produtores obtiveram vinhos espetaculares que acabavam sendo enquadrados na denominação Vino da Tavola, a mais simples de todas. Com isso, vinhos sem “pedigree” passaram a freqüentar as listas de premiados por júris e críticos de vinho, ganhando a denominação informal de Supertoscanos.

As uvas brancas, adotadas no Chianti tradicional, foram abolidas e substituídas por tintas selecionadas. Muitos destes vinhos foram concebidos como monovarietais, isto é, usando apenas um tipo de uva. Veja a seguir alguns exemplares de supertoscanos:

TIGNANELLO
SOLAIA
SASSICAIA
ORNELLAIA
SIEPI
CAMARTINA
FLACCIANELLO DELLA PIAVE
LE PERGOLE TORTE
CASALFERRO
LA GIOIA
Antinori
Antinori
Antinori
Ornellaia
Castello di Fonterutoli
Querciabella
Fontodi
Montevertine
Ricasoli
Riecine
Sangiovese/Cab. Sauv.
Sangiovese/C.S./C. Franc
Cabernet Sauvignon
C.S./C.F./Merlot
Sangiovese/Merlot
Sangiovese/Cab. Sauv.
Sangiovese 100%
Sangiovese 100%
Sangiovese/Merlot
Sangiovese 100%

BRUNELLO DI MONTALCINO
Em 1888, um tradicional vinicultor da cidade de Montalcino, próxima a Siena, chamado Ferrucio Biondi-Santi, produziu um vinho feito com um clone selecionado da uva Sangiovese. Batizada como Brunello, esta uva produz um vinho potente e denso, especialmente pela conjugação com o ambiente natural e as escolhas enológicas.
A cidade de Montalcino fica a 65km ao sul de Siena; além disso, está mais próxima da costa. O relevo da região se torna menos ondulado, mais aberto, o clima mais seco e ventilado, com verões quentes protegidos de tempestades pelo monte Amiata, ao sul da região do DOCG. Além das uvas mais maduras, que podem garantir 14° ou mais graus de álcool ao vinho, o Brunello di Montalcino não recorre ao corte. Feito apenas com este clone selecionado da Sangiovese, passa depois por uma longa maceração das cascas com o mosto e por um período de dois anos em grandes tonéis de carvalho esloveno – tempo que já chegou a ser regulamentado, por lei, em no mínimo quatro anos!
Tanta complexidade, estrutura e espera garantiram fama e preços nas alturas para o Brunello di Montalcino, que passou a ser produzido por cada vez mais vinícolas da região. Muitas vezes, degustá-lo antes de 15 a 20 anos de guarda pode ser uma experiência desagradável, tal a força dos taninos. Por isso a legislação foi abrandada, para que produtores não precisassem esperar tanto para vender e consumidores para beber.
Posteriormente, a região passou a ser a primeira DOCG com permissão para produzir também um DOC – o Rosso di Montalcino. Um pouco mais delicado e aberto a cortes em pequena proporção, o Rosso pode ser posto no mercado após um ano de guarda, garantindo aos consumidores um vinho mais acessível e que pode ser bebido mais jovem.

VINO NOBILE DI MONTEPULCIANO
Ao redor da colina em que se destaca a bela cidade de Montepulciano, os vinhateiros produzem mais um vinho DOCG da Toscana. Usando majoritariamente outro clone selecionado da Sangiovese, conhecido por Prugnolo Gentile, o Vino Nobile di Montepulciano segue a receita do corte do Chianti (geralmente com Canaiolo) e é considerado um vinho de potência intermediária entre a do Chianti Classico e a do Brunello, embora não tenha aromas tão complexos como o do primeiro ou a força de caráter do segundo. Aqui, as noites são mais quentes e o solo mais arenoso, e o período mínimo de guarda do vinho em madeira foi reduzido para um ano; a adaptação dos vinicultores à modernidade foi mais lenta, causando uma certa irregularidade. Montepulciano também tem seu DOC Rosso, um vinho bastante mais suave.

VIN SANTO
O Vin Santo, mais do que uma das grandes expressões do vinho italiano e, principalmente, da Toscana, é um símbolo de cordialidade, sendo costumeiramente servido às visitas. Este vinho generoso, cujo teor de açúcar residual pode fazê-lo variar de quase seco até doce, é produzido pelo processo de apassitamento – isto é, a partir de uvas passas. Depois de colhidos, os cachos de Trebbiano e Malvasia, dentre outras variedades minoritárias, são pendurados em um depósito ventilado para desidratarem. Com isso, a concentração de açúcares aumenta e o vinho, após a fermentação e a armazenagem por até quatro anos em pequenas barricas chamadas caratelli, apresenta aromas defumados, de frutas secas, além de uma bela cor alaranjada e um sabor característico. Há também o Vin Santo de uva tinta , feitos com a Sangiovese e chamados de Vin Santo Occhio di Pernice. Embora haja dois DOCs para o Vin Santo (Val d´Arbia e Colli dell´Etruria Centrale), há muitos que são produzidos fora das áreas delimitadas.

OUTROS VINHOS DA TOSCANA
Vale a pena mencionar outros vinhos etruscos que apresentam boa qualidade como o Bolgheri, o Carmignano, o Vernaccia di San Gimignano, o Val d´Orcia e o Morellino di Scansano (da província de Grossetto), para ficarmos só com alguns.

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