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CALIFÓRNIA : SOB O SIGNO DO SOL

23 jun 2016, Posted by degustadoresfronte in Notícias e Artigos

AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT

“A Califórnia é o lugar ideal para se viver – se você for uma laranja”
(Frase do snob humorista americano da costa leste Fred Allen -1894-1956)

 

Matéria escrita em 2013 na revista GO WHERE VINHOS sobre a viagem realizada naquele ano à Califórnia.

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Embora muitos não saibam, a indústria cinematográfica americana se iniciou, no início do século XX, na costa leste, nas cidades de Nova York e Chicago. O cinema era então um engenho primitivo, os filmes, pouco sensíveis à luz, e uma região sujeita a invernos rigorosos e pouco favorecida pela luz natural pouco podia contribuir para o florescimento desta indústria.

Atraídos pela promessa de 350 dias de sol por ano que a Câmara de Comércio de Los Angeles apregoava, os produtores começaram a migrar para a Califórnia, começando a produzir seus filmes ali por volta de 1907. Foi o início dessa empreitada de enorme sucesso que todos nós conhecemos e que se chama Hollywood.

Quando falamos em vinho, uvas e videiras, assuntos em que o sol desempenha influência preponderante, é evidente que também vale o argumento acima citado. Os vinhedos que surgiram em Nova York, Nova Jersey, Virgínia e Ohio, não resistiram não só ao rigor do inverno, mas também aos verões muito úmidos e quentes somados ao flagelo da filoxera, grande inimiga das cepas europeias.

Nesta época, já se produzia vinho com sucesso na Califórnia, com um pequeno detalhe:  a Califórnia não fazia parte dos Estados Unidos, mas do México, um problema que os americanos iriam resolver algum tempo depois…

DOIS DEDOS DE HISTÓRIA

O colonizador espanhol plantou as primeiras videiras com relativo sucesso já no século XVI. Somente após 200 anos, quando os missionários franciscanos rumaram para o norte e para a costa da Califórnia, é que se plantou a primeira vitis vinifera, mais precisamente em 1779, quando o padre Junípero Serra fundou a missão de San Diego. Essas primeiras vinhas, do tipo Mission, foram a base da vinicultura local por cerca de um século.

Ao contrário do que acontecera na costa leste americana, em que a vitivinicultura fora um fiasco, a vitis vinifera vai encontrar na Califórnia seu habitat ideal, em função do clima, condições do solo e insolação. Após a anexação da Califórnia aos EUA (1847) e a “Corrida do Ouro” que se seguiu (1849), as plantações migraram de Los Angeles para a região de San Francisco, mais ao norte, especialmente para o napa valley, além de livermore valley e santa clara valley.

Grandes investimentos feitos no fim do século passado, aliados às pesquisas da Universidade da Califórnia, resultaram num grande aumento da produção e melhoria da qualidade do produto. Cerca de 300 variedades viníferas foram plantadas, como a Chasselas, a Zinfandel, a Burguer, além da ainda predominante Mission.

Porém, a viticultura americana teria pela frente dois inimigos terríveis a serem vencidos para conseguir firmar-se definitivamente: a Phylloxera, que atingiria a Califórnia por volta de 1880 devastando seus parreirais, e a absurda Repeal of Prohibition (mais conhecida como “Lei Seca”), que perduraria de 1920 a 1933, esta Phylloxera jurídica de inspiração puritana que viria a aniquilar todo o mercado de bebidas que contivessem álcool nos EUA, e que só viria a recuperar-se no pós-guerra. O desastre só não foi total para a indústria do vinho porque continuou-se a produzir o vinho litúrgico e também suco de uva com a patética advertência no rótulo: “Cuidado, não adicione levedura, senão o conteúdo fermentará”.

O período dourado do vinho californiano viria a acontecer a partir dos anos 70 até nossos dias, quando enormes investimentos foram feitos, principalmente nas regiões de napa e sonoma, iniciando-se a produção de vinhos a partir das cepas mais nobres (Cabernet Sauvignon, Chardonnay, etc.). É nesse período que o americano desperta para o vinho, pois nunca havia sido um grande consumidor dessa bebida. Mas agora o prazer se alia ao business. Mesmo assim, hoje o americano bebe 8,9 /ano, bem atrás de outros países produtores, sendo o 4º maior produtor mundial, com 21 965 000 hl. (dados da O.I.V. de 2009).

 

Clima

Embora a costa californiana seja, em sua maior extensão, muito úmida e fria, com um céu um tanto nebuloso capaz de prejudicar a insolação, possui regiões de clima bem mediterrâneo não atingidas pela umidade e o frio excessivo, como os vales ensolarados um pouco mais para o interior (Napa Valley, Sonoma, San Joaquin, Mendocino, etc).

Na Costa Norte vamos encontrar um clima de duas estações, com invernos curtos e amenos e verões longos, quentes e secos. Os nevoeiros de verão vindos do Pacífico exercem grande influência nesse clima.

Na Costa Central Norte o clima passa do fresco e enevoado, quando influenciado pela baía de San Francisco e Monterrey, ao seco e muito quente. A pluviosidade é pequena.

A Costa Central Sul apresenta clima bastante diferenciado, com grande subordinação aos nevoeiros marítimos do Pacífico.

A Califórnia Central e do Sul , que produz vinhos em grande quantidade embora de menor qualidade, apresenta um clima de calor intenso e pouca chuva. Utiliza-se largamente a irrigação.

 

Regiões Produtoras

As regiões vinícolas da Califórnia foram classificadas, de forma bem complexa, conforme uma escala de “dias quentes”, que mede o tempo em que o termômetro ultrapassa os 10ºC durante o período compreendido entre o primeiro dia de abril e o último dia de outubro. Assim, se, por exemplo, a temperatura média durante cinco dias for mais de 20°C, o resultado será: 20 – 10 = 10 X 5 = 50 dias quentes.

Na prática, o que se encontra nos rótulos são as denominações genéricas north coast, central coast e south coast, ou ainda, de forma mais usual, a denominação dos condados dessas regiões. north coast – Mendocino, Alexandre Valley, Russian Valley, Napa Valley, Sonoma Valley, Carneros, Calistoga. central coast – Livermore Valley, San José, Santa Clara Valley, Monterrey, San Luís Obispo e south coast.

 

Principais varietais 

Devido à sua enorme extensão e grande diversidade, o terroir californiano californiano abriga um grande leque de variedades. A Cabernet Sauvignon encontra sua melhor expressão nos vales do Napa, Sonoma e Santa Cruz Mountain, além de destacada presença em Monterey e Santa Bárbara. Napa e Sonoma também se destacam pela produção de uvas Merlot e Cabernet Franc, vinificadas isoladamente ou mescladas com a Cabernet Sauvignon.

A Zinfandel tem grande popularidade nos EUA, e está para este país como a Shiraz está para a Austrália. Dá vinhos com bastante corpo e bons aromas de frutas vermelhas e especiarias, e de bom preço. Muito vinho rosé (blush) também é feito com ela                       

Outras varietais tintas Syrah (os melhores: Swanson, Dehlinger, Truchard,Thackerey); Pinot Noir (uva de difícil adaptação, mas com bons resultados em Carneros, Mendocino, Napa e Sonoma); Cabernet Franc (utilizada no blend dos melhores vinhos, como o Robert Mondavi Reserve Cabernet Joseph Phelds Insignia), etc.

A Chardonnay é a cepa branca mais plantada. Produz os melhores brancos da Califórnia. São ricos, de bom corpo, amanteigados, com aromas de frutas tropicais, maçãs, pêssegos e baunilha. Realmente majestosos como o Mer & Soleil (Monterrey), Beringer Private Reserve (Napa), Arrowood Cuvée Michel Berthoud (Sonoma), Kallin Cellars Cuvée W (Livermore), Au Bon Climat Bien Nacido (Santa Barbara), e um sem-número de outros.

Outras varietais brancas – Embora não atinjam a excelência da Chardonnay, várias outras cepas brancas são produzidas com bons resultados, como a Sauvignon Blanc (Matanzas Creek Sauvignon Blanc, de Sonoma; Robert Mondavi Fumé Blanc Reserve, do Napa, e outros); Semillion; Chenin Blanc; Gewürztraminer; Riesling, etc.

 

NOSSA ÚLTIMA VISITA

Depois de longa ausência, tive a oportunidade de revisitar a região em maio desse ano, quando pude avaliar o grande desenvolvimento que a produção de vinhos experimentou na região. Fiz a viagem conduzindo meu grupo DEGUSTADORES SEM FRONTEIRAS www.degustadoresemfronteiras.com.br , composto por 14 amantes do vinho e das coisas da cultura. a belos vinhedos, pois a empresa também produz vinho no local, o Meritage, uma linha Nesses 13 dias procuramos visitar as regiões mais importantes, NAPA e SONOMA, além da zona de CARMEL. Assim dividi a viagem particamente em dois segmentos: a primeira parte seria mais dedicada aos produtores, e para isso nos hospedamos  no coração do Vale do Napa, no excelente Hotel Meritage Resort Napa, um cinco estrelas que, além de todo o conforto  está instalado em meio de vinhos corretos que o grupo degustou após visitar a vinícola.

Já na segunda-feira visitamos dois ótimos produtores:  a CAYMUS VINEYARDS, no Vale do Napa, e  a SEGHESIO FAMILY VINEYARDS, no Alexander Valley, uma sub-região de Sonoma.  a Caymus é um dos mais reputados produtores americanos  e produz alguns dos melhores vinhos do país . A família Wagner a fundou há cerca de 50 anos, tendo produzido seu primeiro vinho em 1971. A empresa continua em mãos da família e seu foco principal é a produção de Cabernets Sauvignon de alta gama, a grande vocação dessa região. O que não a impede de produzir ali dois dos melhores brancos californianos, o Conundrum, uma mescla improvável de nove uvas (provamos o 2011), e o famoso Mer & Soleil (2010) , um Chardonnay de tirar o fôlego. O Belle Glos Pinot Noir, feito em Dayiryman Vineyard em Russian Valley, foi uma bela surpresa. Trata-se de um lançamento da vinícola que provamos em primeira mão e impressionou bastante. Seguiram-se os tão decantados (sem trocadilhos!) Caymus Cabernet Sauvignon 2010 e o Caymus Special Selection 2010, excelentes, embora ainda um tanto jovens. (Importadora MISTRAL).

A família Seghesio, vinda do Piemonte, se instalou no Alexander Valley no final do século XIX, e logo comprou 56 acres de boa terra na encantadora cidadezinha de Healdsburg. Dão-se hoje ao luxo de ter sua sede e parte de seus vinhos em pleno centro urbano. Ali recebem com o calor italiano seus visitantes ,como foi nosso caso. A degustação foi feita pelo simpático enólogo John Doxson em pleno jardim do casarão à sombra de frondosas árvores. O foco da casa é a Zinfandel e uma grande variedade de uvas italianas (barbera, sangiovese, etc..). Provamos o branco Seghesio Arneis 2011 (é o único a produzir hoje na Califórnia essa uva piemontesa), o Seghesio Barbera 2011, muito bom, com passagem por carvalho francês novo, e três Zinfandel: Seghesio Zinfandel 2011 (que responde por 85% da produção da casa), e os dois vinhos top da vinícola, o Rockpile Zinfandel 2010 e o Rockpile Zinfandel Reserva 2009, carnudo e rico em aromas. ( Importadora MISTRAL).

Entre passeios de balão (imperdíveis!) e jantares nos bons restaurantes da cidade de Napa e arredores, tivemos ainda tempo para visitarmos mais duas visitas de ponta: ROBERT MONDAVI e KENDALL-JACKSON. Apesar de estarmos ainda em plena primavera, o calor estava bem forte e o famoso sol californiano, escaldante. Robert Mondavi, falecido recentemente, é uma verdadeira lenda na história do vinho californiano. Esse filho de imigrantes italianos da região do Marche fez mais pela reputação do vinho americano do que nenhum outro, e conseguiu receber em vida todas as homenagens que lhe eram devidas. Já no final de sua vida , vendeu sua vinícola para a gigante Constellation Brands, que continua gerindo os negócios com a mesma dedicação. A fachada em estilo colonial espanhol da vinícola é conhecida por todos e tornou-se um verdadeiro cartão postal do vinho da Califórnia. Não se consegue cruzar seus portões sem sentir uma certa emoção. Fomos ciceroneados pelo dr. Dana Andrus, veterano diretor da vinícola, uma pessoa que esbanja simpatia e conhecimento. Extremante elegante e bastante falante, Mr. Dana é incrivelmente parecido com o falecido maestro Leonard Bernstein. Foi ele que nos proporcionou sem dúvida a mais descontraída e bem humorada de todas as visitas. Depois de provarmos vários vinhos de base do produtor, chegou a vez da grande estrela, o Robert Mondavi Reserve 2009 (75% Cab. Sauv, 15% Malbec, 10% Petit Verdot) e também o Reserve de safra 1999, este espetacular, já pronto para ser bebido , pleno de aromas de especiarias, cassis, azeitonas pretas, frutas negras e tabaco. Uma boa oportunidade para sentirmos a evolução de um grande vinho. Infelizmente o Opus One, também de Mondavi, mas feito em parceria com Philippe de Rothschild, não foi degustado, pois não é mais feito ali, mas a poucos quilometros, tendo a bodega de desmembrado do grupo. (Importadora INTERFOOD).

A boa surpresa nos havia sido reservada na véspera. Fomos convidados a jantar em uma nova vinícola do grupo, a FRANCISCAN ESTATE, situada a poucos quilômetros da sede da Mondavi. E para lá fomos, já se pondo o sol, nos deleitar com um excelente jantar escoltado pelos bons vinhos da vinícola, cujo destaque foi o Franciscan Magnificat. Esse vinho ainda não é encontrado no Brasil.

No dia seguinte, já a caminho de San Francisco, nos detivemos em Santa Rosa para visitar um produtor que retorna agora ao mercado brasileiro, a KENDALL-JACKSON. Os primeiros 80 acres de terra foram comprados por Jess Jackson e sua família ainda nos anos 1970 e em  1982 surgiram seus primeiros vinhos. A ideia era produzir vinhos finos de alta qualidade principalmente brancos a partir da uva Chardonnay. A empresa cresceu bastante desta época até nossos dias, e hoje é uma das potências dos vinhos da Califórnia. Sua bela sede em Santa Rosa é a que mostrou melhor estrutura para receber os visitantes. A loja é belíssima, onde podem ser comprados vinhos, acessórios e roupas com a grife do fabricante, e o restaurante é sensacional. As refeições são servidas em um gazebo a céu aberto, entre os vinhedos e a horta orgânica. Absolutamente todas as verduras e legumes do restaurante dela se originam, e o visitante pode ter uma pequena aula de cultura orgânica com o encarregado da horta. A recepção é muito calorosa e simpática. O winemaster Randy Ullom e sua assessora Carol Howard se encarregaram da recepção e nos acompanharam no delicioso almoço numa inesquecível tarde ensolarada. Antes disso pudemos degustar vários vinhos do produtor, que continuara a ser servidos no almoço. Quatro vinhos tiveram maior destaque:  o K & J Chardonnay Vintner’s Reserve 2011, oriundo da costa fria da Califórnia e fermentado em barricas, fresco e muito frutado; o Chardonnay Camelot Highlands, rico e exuberante; o Pinot Noir Grand Reserve 2011, feito com uvas dos vinhedos de Anderson Valley, e o Stature 2006, a “joia da coroa” do produtor, um ótimo vinho de corte bordalês altamente  pontuado (RP 92) e de produção minúscula (295 caixa). ( Importadora INOVINI).

Descendo para o sul, e depois de uma agradável estada em San Francisco, pegamos a estrada costeira que leva a Los Angeles. Fizemos então nossa última escala enoturística, dessa vez de apenas dois dias na encantadora Carmel, às margens do Pacífico, já na região de  Central Coast. Isso nos possibilitou fazer nossa derradeira vinícola, próximo dali: na RIDGE VINEYARDS, na região montanhosa de Cupertino. Chama a atenção a beleza selvagem desse lugar privilegiado no alto da  montanha. A casa de madeira é bem antiga e rústica. Praticamente nada mudou desde que o médico italiano Osea Perrone comprou a área e plantou os primeiros vinhedos , em 1885. Os novos proprietários adquiriram a propriedade em 1962 com o objetivo de produzir vinhos de alta qualidade de forma sustentável e com o mínino de interferência na natureza. Assim foi feito e o resultado foi excelente. Em 1976, o Ridge Monte Bello 1971 foi um dos seis representantes californianos do famoso “Julgamento de Paris”e fez bela figura. Trinta anos mais tarde, em 2006, o mesmo Steven Spurrier organizou outra degustação às cegas com os mesmos 12 vinhos e o Monte Bello Ridge 1971 sagrou-se campeão, deixando para trás  vinhos como o Ch. Mouton-Rothschild 1970, Haut-Brion 1970, Ch. Léoville Las Cases 1971 os melhores americanos. Não é pouca coisa! Depois da visita ao vinhedo orgânico e a outras instalações, o jovem enólogo Sam Howles-Banerji conduziu a degustação coma as joias da casa, com grande destaque para o Ridge Cabernet Sauvignon Estate 2010, um belo corte bordalês com predomínio da Cabernet Sauvignon (80%) e adições de Merlot (17%), Petit Verdot (2%) e Cabernet Franc (1%). A visita – e o tour – foi fechado com chave de ouro com o espetacular Ridge Monte Bello Califórnia 2007, outro cote bordalês com proporções diferentes do anterior, já atingindo a maturidade, embora com muitos anos ainda pela frente, de nariz amplo (azeitonas pretas, cassis, carvalho tostado, tabaco) e grande riqueza gustativa. O vinho ideal para guardar uma boa lembrança da Califórnia e seus belos vinhos.(Importadora MISTRAL).

 

Os DEGUSTADORES SEM FRONTEIRAS realizarão mais uma visita à Califórnia  visitando as mais importantes vinícolas americanas. A saída está programada para o dia 06 de outubro com retorno no dia 17. Consulte nosso site para saber mais sobre a viagem. Vcs serão bem vindos ao grupo.

AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT

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