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PELOS VINHEDOS DA ÁFRICA DO SUL

16 ago 2010, Posted by degustadoresfronte in Notícias e Artigos

por Aguinaldo Záckia Albert

As primeiras mudas de videiras chegaram à Cidade do Cabo em 1654, vindas da Holanda, e eram varietais do Reno. Vieram posteriormente mudas de Muscat e Chenin Blanc. Em 1659 foram prensadas as primeiras uvas, chegando-se assim ao primeiro vinho sul-africano, que era rústico e muito agressivo.

A qualidade desse vinho melhorou muito com a instalação da Vinícola Constantia, criada pelo governador da província do Cabo, Simon Van der Stel, em 1679, que produziu os primeiros vinhos finos de sobremesa. Foi plantada então uma extensa área (cerca de 750 ha) de vinhedos em torno da Cidade do Cabo.

A revogação do Édito de Nantes (que em 1598 pusera fim às guerras de religião na França, garantindo os direitos dos huguenotes, como eram chamados os calvinistas franceses), em 1685, provocou sua fuga em massa. Em 1688, muitos deles se instalaram em Franschak e Paarl, estimulando ainda mais a produção de bons vinhos. Esses imigrantes protestantes vinham, principalmente, da região de Bordeaux e, como é natural, trouxeram com eles uma grande experiência no campo da vitivinicultura.

Estamos falando, portanto, de uma tradição de mais de três séculos de vitivinicultura, rigorosamente documentada pela Associação Cooperativa de Produtores de Vinho da África do Sul.

Em 1778 Constantia recuperou sua antiga projeção, quando a propriedade foi comprada pelo talentoso produtor Hendrik Cloete. Os vinhos de sobremesa de Constantia ganharam então grande prestígio na Europa. Elaborados a partir da uva Muscat e demonstrando alta qualidade, seu preço só foi suplantado no mercado europeu pelo do húngaro Tokaji.
A praga da filoxera chegou a essas terras africanas em 1866, e foram necessários vinte anos de árduo trabalho de replantio para que os vinhedos voltassem a produzir.

A famosa cooperativa vinícola KWV foi fundada em 1918 e deteve grande poder até o início dos anos 1990, fixando preços, delimitando as áreas e regulando toda a produção.

OS TEMPOS MODERNOS

Durante o período do regime de apartheid, a África do Sul ficou à margem do mercado mundial devido ao boicote dos países democráticos. Dessa forma, o vinho tornou-se um produto de consumo interno, fazendo com que o país não acompanhasse a evolução do mercado internacional rumo à produção de vinhos de qualidade.

Com o fim do apartheid , em 1994, e a nova abertura para as exportações, o país teve que se adaptar às novas exigências do mercado internacional, o que propiciou uma formidável melhora de seus vinhos. Os vinhedos de altíssima produção de uvas de qualidade inferior foram mantidos apenas para o abastecimento das destilarias produtoras de brandies e grapas. Por outro lado, estimulou-se a produção de uvas de melhor qualidade, com rendimento mais baixo por hectare, a fim de se produzirem vinhos mais adequados a um mercado mundial cada vez mais exigente.

A África do Sul galgou os degraus necessários para ganhar uma posição de destaque no cenário internacional e seus vinhos hoje gozam de grande prestígio. O país encontrou em Nelson Mandela um líder excepcional, que com sua política de moderação e bom senso conseguiu pacificar o país e voltar a ter acesso aos mercados externos. Os produtores se empenharam e conseguiram resultados surpreendentes com a modernização da vitivinicultura do país, como pudemos verificar em nossa recente viagem.

Foi minha primeira visita ao país e estava liderando um grupo de enófilos brasileiros da minha confraria Degustadores Sem Fronteiras. Posso afirmar que, do início ao fim da viagem que durou 9 dias, o país surpeendeu todas as expectativas do grupo. A produção é feita na região da Cidade do Cabo, entre os paralelos 33° e 34° de latitude sul, e foi nessa bela cidade que nos hospedamos. Stellenbosch, Paarl,Franschhoek e Constantia , as principais cidades produtoras, ficam a poucos quilometros da Cidade do Cabo, o que facilita tudo para o turista de vinho.

Ruas e estradas bem pavimentadas, bem sinalizadas e limpas, pequenas cidades encantadoras e bem cuidadas com suas casas de estilo holandês e vitoriano, boa comida e com preços incrivelmente baratos, além da deslumbrante paisagem de grande beleza natural, é o que aguarda o visitante.

OS PRODUTORES VISITADOS

A maior parte das visitas foram feitas em Stellenbosch, principal centro produtor, um centro universitário de grande prestígio com ruas pacatas que convidam a uma boa caminhada a pé, parando aqui e ali para visitar uma loja ou sentar-se em uma mesa de calçada em um dos seus inúmeros e charmosos cafés.

Em Stellenbosch, a Kanonkop foi nossa primeira visita e não nos decepcionou.Trata-se de um dos mais renomados produtores do país, com grande reputação internacional, uma empresa familiar sendo tocada hoje pela quarta geração da família Sauer. O canhão, que empresta seu nome à empresa, pode ser encontrado logo na entrada da propriedade. Esse “ canhão da colina” (que é o que significa Kanonkop) servia, no século XVII, para alertar os habitantes da região da chegada por mar de inimigos em Table Bay.A empresa desenvolve um interessante projeto social, abrigando em sua propriedade todos os seus 54 funcionários, que vivem comunitariamente com assistência médica e ensino gratuitos.
Dos sete vinhos degustados, mereceram nossa atenção o Kanonkop Pinotage 2001, elaborado com vinhas de 30 a 40 anos, com grande complexidade olfativa; macio e carnudo na boca.o Kanonkop Cabernet Sauvignon 1998 (no meu entender a grande uva sulafricana) mostrou toda a potencialidade de um excelente vinho de guarda, com aromas de couro, tabaco e pimentão, muito elegante e fino, estupendo aos seus 14 anos de idade. Ótimo também o Paul Sauer 2005, um vinho de corte bordalês, 70% cabernet Sauvignon, 22% merlot e 8% Cabernet Franc. Muita classe e elegância.

Também em Stellenbosch, pudemos visitar a Simonsig. De todos os produtores era o único cujos vinhos ainda não havia provado mas cuja reputação já conhecia. Tivemos mais uma visita que surperou as expectativas, desde a belíssima sede, contruída no tradicional estilo holandês, com uma vista deslumbrante da Simonberg Mountain, até a qualidade dos vinhos, passando charme de seu restaurante.

O sr. Johan Malan, representante da 10ª geração dos fundadores da empresa, conduziu a degustação, acompanhado sde seu simpático diretor de marketing Jacques Jordaan. Os Malan, fizeram parte da leva migratória de protestantes franceses que chegaram à África do Sul, no século XVII, fugindo da guerra religiosa em seu país. Há muitas famílias com a mesma origem em Stellenbosch e em Franschhoek. Curiosamente, a língua francesa praticamente não é falada por ninguém, absorvidos que foram pela cultura inglesa e holandesa local, embora a boa herança gastronômica felizmente tenha permanecido.

Agradaram muito os vinhos Labyrinth Cabernet Sauvignon 2007 , bem estruturado e com boa fruta, mais um Cabernet Sauvignon marcando presença entre os melhores. Muito bom também o top da casa com a uva típica do país, o Redhill Pinotage 2008, com estágio de 18 meses em barricas de carvalho francês e americano, maduro e carnudo, com acidez equilibrada; mas o grande momento ficou para o Tiara 2008, um espetacular vinho de corte bordalês (74% Cab. Sauv, 19% Merlot, 6% Cab. Franc e 1% Petit Verdot) sem dúvida um dos melhores vinhos da viagem.

Além dos 8 vinhos da degustação, outros foram provados durante o ótimo almoço servido na varanda do restaurante, inclusive alguns espumantes, outra grande especialidade do produtor.

A visita ao produtor Rust En Vrede foi frustada por motivos de ordem técnica. O ônibus em que viajava o grupo não conseguiu atravessar a estreita e longa estrada que subia a colina e chegava até a cantina. Uma pena.

Já em Paarl, o produtor Glen Carlou , onde fomos recebidos por seu diretor de enologia Arco Laarman, que já havíamos conhecido no Brasil, também causou ótima impressão.. Fundada em 1985 e desde 2003 gerida pela Hess Family Estate, é um produtor moderno e dinâmico que construiu sua bela sede no coração de Paarl, numa suave colina com uma bela vista para os vinhedos da região. O restaurante da vinícola é excelente, com ótima comida e ambientação moderna e agradável.

A degustação dos oito vinhos aconteceu durante o animado almoço. Destaque para o Glen Carlou Quartz Stone Chardonnay 2010, com passagem por 12 meses em barricas, elaborado com leveduras nativas, muito rico e agradável, com seus aromas de cravo-da-índia, caramelo, pera madura e nota mineral. Muito bom também o Glen Carlou Cabernet Sauvignon 2010, que estagiou por 12 meses em barricas de 3º uso. Muito equilibrado e elegante, com excelente final de boca.

Franschhoek, o “Cantinho francês”, está localizada a 75 km da Cidade do Cabo e, além de produzir excelentes vinhos, é a capital gastronômica da África do Sul.A chuva persistente estragou o passeio que faríamos na encantadora cidadezinha, mas não a visita ao produtor cujo nome se tornou um desafio a todos aqueles que tentaram pronunciá-lo: Boekenhoustkloof! Fomos recebidos por um barbudo jovial e muito simpático que vestia bermudas e calçava sandálias Havaianas com a bandeirinha do Brasil, um verdadeiro entusiasta de nosso país, que já havia visitado algumas vezes.

A vinícola existe desde 1776, tendo sido comprada em 1993 por Marc Kent e seu sócio. Seu prestígio no país é muito grande, tendo ganho o prêmio de Winery of the Year 2012 do mais importante guia do país, o Platter´s. Ali se pratica uma vitivinicultura rica em experimentações e práticas sustentáveis que lhe valeram a obtenção do certificado de produtor orgânico. O local é muito bonito e mantém as características originais do edifício do século XVIII.

Marc Kent , o “Rei da Syrah”, nos serviu oito de seus vinhos, todos com um alto padrão de qualidade, inclusive seu famoso “ The Chocolate Block”, um sucesso fenomenal de vendas com estoque esgotado na vinícola. Degustamos o da safra 2010 desse vinho elaborado com uma base de Syrah mesclada a outras 4 uvas: Cabernet Sauvignon, Cinsault, Grenache e Viognier. Muito equilibrado e elegante, com notas de frutas vermelhas bem maduras e – mas é claro! – chocolate, confirmou sua fama. O Boekenhoustkloof (não me peçam para escrever mais uma vez este nome) Syrah 2009, com passagem de 27 meses por barricas de carvalho francesas usadas, é um vinho estupendo, que ganhou as 5 estrelas do Guia Platter´s. Rico em aromas especiados, de café torrado e de chocolate sobre um belo fundo de frutas vermelhas confitadas impressionou bastante.

Ao final, uma grande surpresa: fomos os primeiros a provar em todo o mundo seu último lançamento, o Porseleinberg (Montanha de Porcelana), um tinto feito com 100% de uva Syrah delicioso e que, sem dúvida, fará enorme sucesso.

Situada ao sul da Cidade do Cabo, Constantia é uma região mundialmente famosa por ter produzido vinhos de sobremesa com grande aceitação na Europa nos séculos XVIII e XIX, comparados aos melhores do mundo. Depois de um longo período de ostracismo, seus vinhos começaramm a retomar o antigo prestígio a partir de 1990. Nessa região, escolhemos visitar um verdadeiro ícone da vitivinicultura sulafricana, a Klein Constantia Estate, produtora o famoso Vin de Constantia. Nos últimos 32 anos, a propriedade foi gerida pela família Jooste, que a restaurou totalmente e a vendeu recentemente a dois investidores europeus, o tcheco Zdenek Bakala e o inglês Charles Harman, ambos vivendo hoje no país. O lugar é belíssimo. Sede antiga perfeitamente restaurada, jardins bem cuidados e vinhedos magníficos, que pudemos visitar em dois enormes jipões.

Como não podia deixar de ser, a grande estrela foi seu legendário Vin de Constance safra 2006, que nos foi servido por seu enólogo Alan Wisckstrom. Trata-se de um vinho doce natural feito com uvas não-botritizadas da variedade Muscat de Fontignan rico e maduro, com aromas e sabores que nos fazem lembrar abacaxi em calda e caramelo, com sua doçura equilibrada por uma vibrante acidez. Um bom modo de encerrar nossa deliciosa viagem…

África do Sul em números: Dados referentes ao ano de 2007.

Produção de vinho – 9 783 000 hl.
Consumo de vinho no país – 3 557 000 hl.
Consumo de vinho per capita – 7,2 litros/ano
Superfície dos vinhedos – 133 000 hectares
Importação de vinho – 141 000 hl.
Exportação de vinho – 3 126 000 hl.

Fonte: O.I.V. Organisation Internationale de la Vigne et du Vin.- Relatório de 2010.

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