HOSPICES DE BEAUNE
16 ago 2016, Posted by Notícias e Artigos inO mundo do vinho não vive apenas de avaliações e degustações técnicas. A existência dessa bebida, várias vezes milenar, permeia a história cultural , socio-econômica e artística da civilização ocidental com inúmeros fatos curiosos que valem a pena serem abordados. Um deles é, sem dúvida, o leilão de vinhos realizado anualmente nos Hospices de Beaune.
Beaune é uma cidade medieval localizada em pleno coração da Côte- d’Or, sendo considerada a capital do vinho da Borgonha. Passear a pé por suas ruas estreitas e tortuosas, parando aqui e ali para degustar um vinho nas inúmeras caves de bons negociants que se espalham pela cidade, é uma experiência capaz de proporcionar um prazer indizível ao amante do vinho. As principais vinícolas borgonhesas, tais como a Bouchard Père et Fils, Joseph Drouhin, Champy, etc., têm ali sua sede.
As antigas construções em estilo flamengo, com seus telhados de ardósia com desenhos geométricos, tingidos de amarelo e vermelho , ficam para sempre na memória e nos faz evocar todo o esplendor do Ducado da Borgonha. Bem no centro da pequena e hoje próspera cidade encontramos a sua construção mais marcante. O Hôtel-Dieu de Beaune, sede dos Hospices de Beaune, foi um hospital de caridade, uma espécie de Santa Casa, fundado em 1443 por Nicolas Rollin, chanceler do duque da Borgonha, e sua mulher Guigone des Salins. A população da cidade nessa época era bastante miserável — a maioria da população constituída por mendigos – com apenas algumas poucas famílias gozando de boa situação de vida. Rollin, que era o encarregado da arrecadação dos impostos, conseguiu mobilizar os mais afortunados com o objetivo de reduzir a miséria e construiu o Hospices, uma instituição que funciona até nossos dias. Sua longevidade se explica, em parte, pelo fato de ser uma instituição laica, fato que a poupou dos confiscos havidos na época da Revolução Francesa dos bens da Igreja.
Durante todos esses séculos os Hospices receberam doações e, principalmente, heranças de áreas de vinhedos que produziram (e produzem) bons vinhos, e com esses recursos a instituição foi mantida, além de se servir diariamente a seus internos sua cota de bom vinho.
Seus leilões beneficentes de vinho são famosos e ocorrem sempre no terceiro domingo de novembro, constituindo-se no mais importante evento da Borgonha, atraindo para a cidade negociantes de vinho de todo o mundo. O leilão tem um importante papel econômico, na medida em que vão balizar o preço de todos os vinhos da região daquela safra. Esses vinhos, elaborados por vários produtores, ostentam a denominação “Hospices de Beaune” em seus rótulos, e são sempre vendidos a preços mais altos do que outros da mesma qualidade, pois o objetivo é a arrecadação de fundos para a instituição benemérita.
São três eventos ao todo, chamados de “Trois Glorieuses”. O leilão é o primeiro deles e ocorre no sábado à noite, sempre presidido por uma figura de destaque, que muda de ano para ano. Um ritual de longa tradição é obedecido: acontece sempre à luz de velas e em Clos de Vougeot. São acesas três velas, uma após a outra, e os lances começam logo que se acende a primeira. Quando esta se extingue, acende-se a segunda, e depois a terceira, e o leilão termina. Segue-se o banquete em Clos Vougeot. No domingo, é servido outro banquete nas caves dos Hospices de Beaune. A trilogia termina na segunda feira , com outro jantar na comuna de Meursault, quando cada vinhateiro leva uma garrafa de seu melhor vinho e o faz passar pela mesa.
A sede dos Hospices de Beaune é hoje um museu impecavelmente conservado, uma parada obrigatória para os afortunados que visitarem Beaune.
AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT