ARGENTINA, MARADONA E POLÍTICA
16 maio 2009, Posted by Notícias e Artigos inTodos os países têm seus ídolos, para o bem ou para o mal, e eles tendem a expressar o espírito de cada povo. Criado no bairro miserável de Villa Fiorito, em Buenos Aires, o jovem Maradona despontou para o mundo como um dos mais geniais futebolistas de todos os tempos (embora não tão genial quanto Pelé), driblando todas as dificuldades e se tornando um ídolo mundial.
Suas atuações pelo Boca Juniors, pelo Napoli e, principalmente pela seleção nacional, que culminou com o gol de mão – “la mano de Dios”, como justificou Maradona – contra a Inglaterra na Copa do México, em 1986 (e aqui uma das facetas da “alma Argentina” vem à tona) fizeram dele o grande herói do país. Outro traço nacional, valorização exagerada, acompanha desde então sua carreira. Com a criação de uma religião maradoniana, ridícula em todos os aspectos, o endeusamento do ídolo passa a ser literal. “Pelé é Rei. Maradona é Deus”, diz o fundador da igreja. Nem mesmo seu envolvimento com as drogas, sua obesidade patológica e a dedicação tardia a um segundo e estranho esporte, o tiro ao alvo com espingardinha de chumbo tendo como alvo jornalistas, conseguiram abalar a imagem do herói.
Há pouco tempo Maradona iniciou uma nova carreira, a de técnico de futebol. Embora não tivesse nenhuma experiência anterior, coube a ele dirigir a gloriosa seleção Argentina, e seus adversários esfregaram as mãos. Tudo indicava que essa segunda profissão em nada lembraria o brilho da primeira. E os fatos se confirmaram. Depois de uma campanha melancólica, o técnico novato começou a receber merecidas críticas da imprensa de seu país, recebidas sempre com mau humor. A classificação para a Copa do Mundo de 2010 só veio após uma dramática e sofrida vitória sobre a fraca seleção uruguaia por um a zero. Sentindo-se aliviado pela vitória, o bolivariano treinador desabafou de forma grosseira, usando de expressões chulas para atacar a imprensa, mostrando toda sua arrogância, má educação e incapacidade de aceitar críticas. O fato correu o mundo e escandalizou a todos, mas Maradona incrivelmente continua no comando.
A Argentina passa, já há bastante tempo, por grandes dificuldades econômicas e políticas. Depois dos desmandos de uma série de governos ineptos e corruptos, desde a ditadura militar até os governos civis de agora. Corralitos, calotes em instituições financeiras, queda do padrão de vida, o orgulho nacional está ferido e a reação se dá na maior parte das vezes de forma paranoica, como com Maradona, e não através da autocrítica. A Argentina teve seu momento de riqueza e glória na primeira metade do século XX, quando era sempre comparada aos países mais adiantados da Europa e Buenos Aires lembrava mais Paris do que uma capital sul-americana. É difícil acreditar que um país com alto nível educacional, que já mereceu três prêmios Nobel e deu ao mundo escritores da dimensão de Julio Cortázar e Jorge Luis Borges possa conviver com essa situação, que não é apenas futebolística. Ela é o retrato atual do país.
Os sinais de decadência de um povo culto que tinha uma postura aristocrática estão por toda a parte: o Peronismo, o que quer que isso signifique; a Guerra das Malvinas; o caso Maradona; o ridículo e demagógico casal Kirchner que governa o país; o ex-presidente Menem, com suas costeletas lembrando taturanas e seu governo de capitalismo selvagem, que recebia amigos e celebridades (inclusive Maradona) nos finais das tardes de sábado para uma “pizza com champán”. Existe alguma coisa mais “brega” do que isso?
Para fechar o círculo, Maradona foi o escolhido para representar o país na Feira do Livro de Frankfurt (a mais importante do mundo), em que a Argentina será o país convidado no ano de 2010. Onde estão os escritores e intelectuais do país? Eles são muitos e de alto nível. A escolha reflete muito bem um fato, como disse recentemente o historiador argentino Luis Alberto Romero em entrevista ao jornal espanhol El País: “A atitude de Maradona é fruto do nacionalismo e da soberba. A Argentina culta está começando a fazer parte do passado”. Uma pena….
AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT