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A SICÍLIA E SEUS VINHOS

16 ago 2008, Posted by degustadoresfronte in Notícias e Artigos

Precisamos voltar ao século VIII AC se quisermos falar das origens do vinho nessa grande ilha meridional italiana. Foi nessa época que os primeiros colonos gregos se instalaram em sua costa, trazendo consigo suas vinhas. Junto a outras espécies nativas de vitis, essas vinhas  floresceram de forma exuberante na ilha, graças às suas condições microclimáticas extremamente favoráveis, e com seus frutos começaram a produzir o vinho na região.

Da Antiguidade clássica até nossos dias, a ilha foi um verdadeiro caldeirão de culturas, tendo sido invadida por fenícios, gregos, cartagineses,vândalos, árabes normandos e espanhóis, que deixaram sua marca nos monumentos e na cultura siciliana. Durante todo este tempo, o vinho sempre esteve presente de forma marcante, atingindo seu ápice no século XVIII, quando os ingleses criaram o vinho Marsala.

No último século o vinho siciliano foi eclipsado pela indiscutível supremacia qualitativa dos vinhos italianos das regiões centrais e do norte. Os vinhos toscanos, piemonteses e mesmo vênetos se tornaram a grande referência dos vinho italiano de qualidade, restando à Sicilia (e também a outras regiões ao sul da “bota”) a produção em larga escala de vinhos de parcos atributos de qualidade.

No entanto, quem visitar a Sicília hoje, ou mesmo degustar seus melhores vinhos onde quer que seja, perceberá que muita coisa mudou nos últimos anos. Degustar vinhos com a qualidade de um Faro Palari, de um Planeta Chardonnay ou de um Don Antonio di Morgante seria impensável até alguns poucos anos atrás, e o mercado mundial percebeu isso. Estes e outros vinhos disputam hoje, de igual para igual, os cobiçados bicchieri do Gambero Rosso com Barolos, Chiantis Classicos e Super-toscanos.

A revolução qualitativa finalmente chegou com a modernização das vinícolas, o novo espírito empresarial e a vinda de investidores de outras regiões. O simples fato de as mais prestigiosas empresas da Itália continental, como os grupos Marzotto Santa Margherita, Grupo Italiano Vini, Zonin estarem investindo maciçamente na região são um claro sinal de seu potencial.

O sensível aumento da qualidade de seus vinhos não impediu que a ilha continuasse a produzir de forma prodigiosa. A Sicília divide com a Puglia a posição de primeira região produtora da Itália. São cerca de 7,1 milhões de hectolitros de produção anual, um verdadeiro oceano de vinho, lembrando que há apenas seis anos a produção superava os 10 milhões de hectolitros.

AS REGIÕES E SEUS MICROCLIMAS
A cordilheira dos Apeninos percorre a Itália de norte a sul, aflorando também na Sicília, dominando a parte norte da ilha. Já a parte sul é mais baixa, com colinas áridas cobertas de vegetação baixa, onde se faz necessária a utilização da irrigação para qualquer plantio. Na parte leste, em torno do vulcão Etna (ainda em atividade), o solo é, obviamente, vulcânico, e é sobre ele que crescem os parreirais da região.

As colinas do norte são mais frescas, com boa média pluviométrica, mas com insolação suficiente  para o amadurecimento das uvas. O sul e o leste sofrem a influência dos ventos quentes vindos do norte da África. A região central da ilha combina altitudes consideráveis com  clima fresco, condições ideais para o plantio, e seu solos mesclam a composição vulcânica com a argila e o calcário.
Entretanto, é na parte oeste que se concentra a maior parte dos vinhedos, como acontece também na Itália continental. Nesta parte, o clima é bem quente, seco, e o solo marcadamente árido, ideal para a produção de vinhos bem concentrados, como o Marsala.

De um modo geral, as melhores vinhas se situam nas encostas mais frescas do lado norte e leste. No entanto, a área de vinhedos mais extensa da ilha (e também de toda a Itália) é a da planície e  das baixas colinas no extremo oeste, ao redor de Trapani. O vinho dali é muito concentrado de cor,  potente e bem alcoólico, a produção, altíssima, sendo inclusive exportado para a França grandes lotes para a composição do Vin de Table, o mais simples do país, em substituição ao vinho rústico que antes chegava da Argélia.

O ESTILO DOS VINHOS E SUAS UVAS
Foram os vinhos doces de sobremesa que fizeram o nome da Sicília, sendo o Marsala o mais famoso deles. O Marsala – que é também o nome da cidade da região produtora – já teve um longo período de glória que durou perto de 200 anos. Este vinho fortificado foi uma criação do comerciante de vinho,s inglês John Woodhouse, que chegou à ilha em 1770 e procurou desenvolver um vinho ao estilo do Porto e do Jerez. As uvas utilizadas em sua elaboração são a GRILLO, em primeiro lugar, sendo também permitidas a Catarrato, Inzolia e a Damaschino.

Encontramos também uma série de vinhos doces elaborados com a MOSCATO e a MALVASIA. Das pequenas ilhas Eólias, ou Isole Lipari, situadas ao norte da grande ilha, temos o vinho Malvasia de Lipari, de bouquet muito refinado. Bem mais ao sul, quase encostada no continente africano, temos a pequena ilha de Pantelleria. Seu solo é vulcânico e seu renomado vinho – o Moscato de Pantelleria — é feito com uma das variedades da Moscato, conhecidas na região como ZIBIBBO, que são secas antes de serem prensadas.

Já na grande ilha, mais dois vinhos grande qualidade, mas com pequena produção: o Moscato di Noto e o Moscato di Siracusa, completam o quadro dos vinhos doces de sobremesa.

Os vinhos brancos dominam a produção siciliana e são mais plantados no lado oeste da ilha, sendo geralmente feitos em cooperativas e vendidos a granel. Os tintos são mais comuns no lado oriental.  Mas aos poucos os vinhos – brancos e tintos — começam a ser comercializados em garrafas e elaborados com mais cuidado, lançando-se mão da nova tecnologia vinícola que chega à região.

Dentre as uvas brancas as mais conceituadas são a CATARRATO, com a qual se elaboram vinhos encorpados e especiados, e a INZOLIA (ou Ansonica), que dá vinhos leves e aromáticos. A GRILLO é bem menos interessante, um tanto neutra, mais indicada para a feitura do Marsala, como já foi dito.

Quanto às uvas tintas, a NERO D’AVOLA, também chamada Calabrese, muito comum em Ragusa e Siracusa, é sem dúvida a mais interessante, dando vinhos potentes e de  muito caráter, com bom potencial de envelhecimento, alguns monovarietais outros cortados com as internacionais Syrah e Merlot. Outra uva tinta muito interessante é a FRAPATTO, que dá vinhos vigorosos e frutados, para serem bebidos jovens,  além da NERELLO CAPUCCIO,  e da NERELLO MASCALESE, muito plantada nas encostas do Etna e na província de Messina.

O plantio de variedades internacionais é mais recente e podemos hoje encontrar as principais castas francesas sendo cultivadas (Chardonnay, Sauvignon Blanc, Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot, etc). Mas  o que realmente predomina e dá o toque de originalidade à vitivinicultura local são os vinhos feitos  com suas uvas regionais

Os vinhos DOC compõem uma pequena parcela da produção e o número de  vinhos IGT vem crescendo. É preciso considerar a existência de muitos bons vinhos que não se enquadraram nas regras legais levando  seus produtores vendê-los como Vini da Tavola, como de resto acontece em outras regiões italianas.

São 19 os vinhos DOC da Sicília: ALCAMO, CERASUOLO DI VITTORIA, CONTEA DE SCLAFANI, CONTESSA ENTELLINA, DELIA NIVOLELLI, ELORO, ETNA, FARO, MALVASIA DELLE LIPARI, MAMERTINO DI MILLAZZO, MARSALA, MENFI, MONREALE, MOSCATO DI NOTO, MOSCATO DI PANTELLERIA (também Passito di Panteleria), MOSCATO DI SIRACUSA, RIESI, SAMBUCA DI SICILIA, SANTA MARGHERITA DI BELICE  e SCIACCA.

AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT

Publicado na edição #38 / 2008 da revista ADEGA.

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