SYRAH/SHIRAZ, UMA UVA CONQUISTANDO O MUNDO
16 out 2002, Posted by Notícias e Artigos inO consumidor é “mobile, quale piuma all vento”, como nos lembram os versos da ópera Il Rigolletto, no momento em que o Duque de Mântova se refere às mulheres. O vinho, como produto de consumo, não poderia fugir a esta circunstância presente em todos os mercados do mundo. No Brasil, passamos pela voragem dos Proseccos italianos embora — espumante por espumante — poderíamos estar muito melhor servidos bebendo os espumantes brasileiros, em sua maioria melhores e mais em conta.
Tenho acompanhado, por notícias e degustações que tenho participado, o forte interesse que tem despertado a uva Syrah, agora ganhando âmbito mundial. Um artigo recente do New York Times nos dá conta de como os vinhos feitos com esta uva do Rhône se tornaram o “dernier cri” (não cru, por favor) do consumidor americano , desbancando o Merlot como vinho da moda. Falemos então um pouco de uva encantadora.
A maior prova de qualidade de uma variedade de cepa é a sua capacidade de produzir vinhos com aromas e sabores identificáveis, mesmo que esses tenham sido influenciados pelo clima, pelo terroir e pelo tipo de plantio.
Nos países de grande tradição vinícola, como a França e a Itália, por exemplo, ocorreu, ao longo dos séculos, uma seleção natural de cepas, prevalecendo aquelas que melhor se adaptaram ao micro-clima local. Outros fatores como resistência às pragas, qualidade e bom rendimento foram levados em conta. Essas cepas foram levadas posteriormente a outras regiões do mundo, sendo que algumas se adaptaram e outras, ou não se adaptaram ou perderam a tipicidade que apresentam em seu lugar de origem.
A Syrah se destaca como uma das grandes uvas que chegaram aos nossos dias. É notável a qualidade dos vinhos que com ela se elabora tanto no sul da França quanto em outras regiões do mundo, notadamente na Austrália, onde se adaptou maravilhosamente e ganhou o nome de Shiraz.
ORIGENS
A origem desta uva tinta majestosa, capaz de produzir vinhos longevos e de grande qualidade, é bastante controversa. Alguns acreditavam que sua origem era siciliana, tendo emprestado seu nome da cidade de Siracusa.
Mais recentemente duas hipóteses disputam a maioria de seus adeptos. Há os que acreditam que esta cepa tenha sido trazida por cavaleiros cruzados da antiga Pérsia (hoje Irã) para o sul da França, seu nome se originando da cidade de Shiraz, termo utilizado hoje pelos australianos para designar a uva.
A hipótese que vem ganhando maior corpo é a de que se trata de uma uva autóctone do Ródano, descendente da vitis allobrogica, produzindo vinhos finos na região desde os tempos da dominação romana, como menciona o próprio Plínio, o Velho, em suas obras.
CARACTERÍSTICAS
Uva tinta majestosa, que envelhece até por meio século, ela reina absoluta na região mais setentrional do Rhône. Os crus mais reputados elaborados com ela são o Côte-Rotie, Condrieu, Saint-Joseph, Hermitage, Crozes-Hermitage, Cornas e Saint-Péray.
Ela entra também na elaboração dos vinhos do sul do Rhône, mas cortada com a Grenache (principal tinta da região), a Mourvèdre, a Marsanne e a Cinsault. Portanto, presente nos Châteauneuf-du-Pape e Gigondas, dentre outras denominações regionais.
Muito bem adaptada aos climas quentes, como o mencionado sul da França, teve uma excelente adaptação em terras australianas, para onde foi levada em 1832 por James Busby . Ali foi usada durante muito tempo para cortes triviais, mas houve um sensível aumento na produção de vinhos de alta qualidade, especialmente de antigas vinhas em Barossa Valley. Hoje com ela se produz os mais notáveis vinhos da Austrália, como o legendário Grange (ex Hermitage), da Penfolds, e outros tantos que têm nos chegado recentemente.
É curioso que esta uva só tenha ganho o resto do mundo após 1970, sendo notável também seu aumento de plantio fora da região do Rhône, na própria França, notadamente no Languedoc-Roussillon, e também em outras regiões da Austrália, como Hunter Valley (New South Wales), Padthaway e Victoria.
Outros países têm cedido espaço para o plantio desta uva excepcional com ótimos resultados, como a Itália, África do Sul (onde é denominada Shiraz) e Argentina. Começa a chegar também os primeiros lotes brasileiros, do sul e do vale do São Francisco.
Nos Estados Unidos, a Syrah está vivendo um acréscimo de qualidade, o que lhe confere o apelo dos primeiros tempos da Pinot Noir, da Zinfandel e da Merlot, podendo também se mostrar mais fácil de ser cultivada e vinificada do que as outras tintas, à exceção da Cabernet Sauvignon. Na verdade, sua presença era insignificante neste país até que, no início dos anos 80, um grupo de jovens vinhateiros californianos , já cansados da “tirania” da Cabernet Sauvignon e da Chardonnay naquele país, resolveram plantar a cêpa e, como se vê, não se deram nada mal.
Crescendo bem em inúmeras áreas, produz vinhos complexos e distintos, escuros, alcoólicos e com aromas e sabores de especiarias. Apesar da boa presença de taninos — o que lhe dá boa capacidade de envelhecimento — são vinhos podem ser bebidos com grande prazer desde a juventude graças à maciez e doçura destes taninos.
Aromas e sabores mais presentes: especiarias (pimenta-do-reino preta), frutas escuras maduras (framboesa negra, groselha negra, amora), alcaçuz, couro, caça e alcatrão, além dos “empireumáticos” (tostado e defumado). Além desses, são mencionados aromas de gengibre e chocolate, notas florais (violeta) e, em algumas regiões da Austrália, um toque discreto de hortelã.
Syrah e Shiraz, apesar de idênticas no aspecto vitícola, resultam diferentes no sabor devido à diferenças de terroirs e vinificação. A australiana é mais doce e madura, sugerindo chocolate; a francesa dá um vinho mais sabendo a pimenta e especiarias. Não importa o nome que tenham, os vinhos elaborados com esta uva vem ganhando o mundo graças à sua alta qualidade e à maciez de seus taninos, vinhos que podem tanto envelhecer com grande estilo ou serem bebidos com grande prazer pouco tempo após seu engarrafamento.
Às vezes a moda passa pelo lugar certo…
Publicado na edição # 35 da revista VINHO MAGAZINE, de outubro de 2002