SYRAH/SHIRAZ,
UMA UVA CONQUISTANDO O MUNDO
O consumidor é “mobile, quale piuma all vento”, como
nos lembram os versos da ópera Il Rigolletto, no momento em que
o Duque de Mântova se refere às mulheres. O vinho, como
produto de consumo, não poderia fugir a esta circunstância
presente em todos os mercados do mundo. No Brasil, passamos pela voragem
dos Proseccos italianos embora -- espumante por espumante -- poderíamos
estar muito melhor servidos bebendo os espumantes brasileiros, em sua
maioria melhores e mais em conta.
Tenho acompanhado, por notícias e degustações que
tenho participado, o forte interesse que tem despertado a uva Syrah,
agora ganhando âmbito mundial. Um artigo recente do New York Times
nos dá conta de como os vinhos feitos com esta uva do Rhône
se tornaram o “dernier cri” (não cru, por favor)
do consumidor americano , desbancando o Merlot como vinho da moda. Falemos
então um pouco de uva encantadora.
A
maior prova de qualidade de uma variedade de cepa é a sua capacidade
de produzir vinhos com aromas e sabores identificáveis, mesmo
que esses tenham sido influenciados pelo clima, pelo terroir e pelo
tipo de plantio.
Nos
países de grande tradição vinícola, como
a França e a Itália, por exemplo, ocorreu, ao longo dos
séculos, uma seleção natural de cepas, prevalecendo
aquelas que melhor se adaptaram ao micro-clima local. Outros fatores
como resistência às pragas, qualidade e bom rendimento
foram levados em conta. Essas cepas foram levadas posteriormente a outras
regiões do mundo, sendo que algumas se adaptaram e outras, ou
não se adaptaram ou perderam a tipicidade que apresentam em seu
lugar de origem.
A
Syrah se destaca como uma das grandes uvas que chegaram aos nossos dias.
É notável a qualidade dos vinhos que com ela se elabora
tanto no sul da França quanto em outras regiões do mundo,
notadamente na Austrália, onde se adaptou maravilhosamente e
ganhou o nome de Shiraz.
ORIGENS
A origem desta uva tinta majestosa, capaz de produzir vinhos longevos
e de grande qualidade, é bastante controversa. Alguns acreditavam
que sua origem era siciliana, tendo emprestado seu nome da cidade de
Siracusa.
Mais
recentemente duas hipóteses disputam a maioria de seus adeptos.
Há os que acreditam que esta cepa tenha sido trazida por cavaleiros
cruzados da antiga Pérsia (hoje Irã) para o sul da França,
seu nome se originando da cidade de Shiraz, termo utilizado hoje pelos
australianos para designar a uva.
A hipótese que vem ganhando maior corpo é a de que se
trata de uma uva autóctone do Ródano, descendente da vitis
allobrogica, produzindo vinhos finos na região desde os tempos
da dominação romana, como menciona o próprio Plínio,
o Velho, em suas obras.
CARACTERÍSTICAS
Uva tinta majestosa, que envelhece até por meio século,
ela reina absoluta na região mais setentrional do Rhône.
Os crus mais reputados elaborados com ela são o Côte-Rotie,
Condrieu, Saint-Joseph, Hermitage, Crozes-Hermitage, Cornas e Saint-Péray.
Ela entra também na elaboração dos vinhos do sul
do Rhône, mas cortada com a Grenache (principal tinta da região),
a Mourvèdre, a Marsanne e a Cinsault. Portanto, presente nos
Châteauneuf-du-Pape e Gigondas, dentre outras denominações
regionais.
Muito
bem adaptada aos climas quentes, como o mencionado sul da França,
teve uma excelente adaptação em terras australianas, para
onde foi levada em 1832 por James Busby . Ali foi usada durante muito
tempo para cortes triviais, mas houve um sensível aumento na
produção de vinhos de alta qualidade, especialmente de
antigas vinhas em Barossa Valley. Hoje com ela se produz os mais notáveis
vinhos da Austrália, como o legendário Grange (ex Hermitage),
da Penfolds, e outros tantos que têm nos chegado recentemente.
É curioso que esta uva só tenha ganho o resto do mundo
após 1970, sendo notável também seu aumento de
plantio fora da região do Rhône, na própria França,
notadamente no Languedoc-Roussillon, e também em outras regiões
da Austrália, como Hunter Valley (New South Wales), Padthaway
e Victoria.
Outros
países têm cedido espaço para o plantio desta uva
excepcional com ótimos resultados, como a Itália, África
do Sul (onde é denominada Shiraz) e Argentina. Começa
a chegar também os primeiros lotes brasileiros, do sul e do vale
do São Francisco.
Nos
Estados Unidos, a Syrah está vivendo um acréscimo de qualidade,
o que lhe confere o apelo dos primeiros tempos da Pinot Noir, da Zinfandel
e da Merlot, podendo também se mostrar mais fácil de ser
cultivada e vinificada do que as outras tintas, à exceção
da Cabernet Sauvignon. Na verdade, sua presença era insignificante
neste país até que, no início dos anos 80, um grupo
de jovens vinhateiros californianos , já cansados da “tirania”
da Cabernet Sauvignon e da Chardonnay naquele país, resolveram
plantar a cêpa e, como se vê, não se deram nada mal.
Crescendo
bem em inúmeras áreas, produz vinhos complexos e distintos,
escuros, alcoólicos e com aromas e sabores de especiarias. Apesar
da boa presença de taninos -- o que lhe dá boa capacidade
de envelhecimento -- são vinhos podem ser bebidos com grande
prazer desde a juventude graças à maciez e doçura
destes taninos.
Aromas
e sabores mais presentes: especiarias (pimenta-do-reino preta), frutas
escuras maduras (framboesa negra, groselha negra, amora), alcaçuz,
couro, caça e alcatrão, além dos “empireumáticos”
(tostado e defumado). Além desses, são mencionados aromas
de gengibre e chocolate, notas florais (violeta) e, em algumas regiões
da Austrália, um toque discreto de hortelã.
Syrah
e Shiraz, apesar de idênticas no aspecto vitícola, resultam
diferentes no sabor devido à diferenças de terroirs e
vinificação. A australiana é mais doce e madura,
sugerindo chocolate; a francesa dá um vinho mais sabendo a pimenta
e especiarias. Não importa o nome que tenham, os vinhos elaborados
com esta uva vem ganhando o mundo graças à sua alta qualidade
e à maciez de seus taninos, vinhos que podem tanto envelhecer
com grande estilo ou serem bebidos com grande prazer pouco tempo após
seu engarrafamento.
Às
vezes a moda passa pelo lugar certo...
Publicado
na edição # 35 da revista VINHO MAGAZINE, de outubro de
2002