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O VINHO NA TERRA DOS FRANCOS

16 maio 2008, Posted by degustadoresfronte in Notícias e Artigos

Quando o assunto é vinho alemão, as regiões do Reno e do Mosel nos vem à mente de forma quase imediata. Os vinhos brancos ali produzidos, principalmente os feitos com a uva Riesling, são de altíssima qualidade e bem merecem a fama que têm. No entanto, dentre as outras 11 regiões demarcadas germânicas, existe uma merece também destaque não só pelos seus vinhos mas também pela beleza que mostra a quem a visita. Estamos falando da Francônia, a porção mais ao norte do estado da Baviera, da qual também faz parte, apesar de se espraiar por pequenas zonas do estado de Baden-Württenberg e do sul da Turíngia. Na verdade, mais do que demarcações geográficas claras, existem ali zonas com identidades culturais.

Situada mais a leste do Mosel e do Reno, bem no centro da Alemanha, a 100 km das cidades de Frankfurt e Nuerberg, o vinho é ali conhecido desde o século VIII de nossa era. A região é predominantemente católica e durante sua história – principalmente na Idade Média – a importância da Igreja e de seus monjes na cultura do vinho foi preponderante.
BONS VINHOS, ÓTIMAS CERVEJAS E RICO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Vindo de Frankfurt ou de München (Munique), o visitante interessado em vinhos, cerveja, cultura e belas paisagens não se decepciona. Por suas características, a região faz parte do Roteiro Romântico da Alemanha. Cruzar de carro as colinas arborizadas, passando por seus vales e sobre seus riachos — que vão desembocar no rio Main (Meno) – fazendo paradas em suas pequenas e médias cidades é uma experiência inesquecível.

A principal uva local é a Silvaner, que nesse terroir suplanta até mesmo a maravilhosa Riesling. Os vinhos da região são particularmente secos, muitos deles lembrando o estilo do Chablis francês. Minerais, terrosos e levemente cítricos, os Silvaner surpreendem pela força, caráter e bom corpo, fato pouco comum em regiões tão frias.

Ao contrário da Silvaner, que matura bem cedo e encontrou na Francônia seu melhor terroir, a colheita da Riesling se faz mais tardiamente. Em termos área plantada e de volume de produção, no entanto, nenhuma delas bate a Müller-Thurgau, responsável por 60% dos vinhos da província. Os que provei tinham boa qualidade, bons preços, mas não se comparavam às duas primeiras. As uvas Kerner (uma curiosa variedade híbrida da tinta Trollinger com a branca Riesling), a Sheurebe e a Bacchus completam o elenco das uvas brancas.

Das tintas, não se pode deixar de mencionar a Spätburgunder – como é chamada na região a nossa velha conhecida Pinot Noir, com qualidade bem acima de suas outras primas tintas como Rieslaner, a Rulaender a Perle e a Portugieser. Delicados, macios e com fineza de aromas, alguns Spaetburgunder chegaram a nos entusiasmar.

Muito mais do que nos países do chamado Novo Mundo, o vinho nos tradicionais países europeus está indissoluvelmente ligado às culturas regionais. Assim, a melhor forma de conhecê-los é degustando-os em sua origem, ainda mais sabendo-se que os vinhos da Francônia são dificilmente encontrados entre nós. Segue, portanto, a sugestão de provar esses frescos e deliciosos néctares em sua peculiaríssima garrafa, a “bocksbeutel”, baixas, arredondadas e muito simpáticas, mas que podem tirar o enófilo do sério quando for guardá-las em sua adega.

WÜRZBURG

Würzburg é a capital da província bávara da Baixa Francônia e é banhada pelo rio Meno. Sua fundação remonta ao século VIII e tem uma rica tradição histórica a ser preservada. Com 130 000 habitantes, é hoje um importante centro universitário e de pesquisas científicas, tanto que 13 detentores de Prêmios Nobel da área científica deram aulas em sua Universidade. Reconstruída após os bombardeios da II Grande Guerra, a hoje alegre cidade é um convite às caminhadas a pé, quando melhor se pode apreciar sua bela arquitetura, seus parques e as colinas à margem do Meno coberta de vinhedos.

O Residenz Schloss (Palácio Residencial), onde moravam os bispos-príncipes de Würzburg que governavam a cidade, construído entre 1720 e 1744, é uma visita obrigatória, e foi considerado patrimônio cultural da Unesco. O palácio – em estilo barroco — é maravilhoso, com sua famosa escadaria encimada por um amplo telhado em forma de abóbada, onde Giovanni Battista Tiepolo pintou, entre 1752 e 1753, um enorme afresco tendo os continentes do planeta como tema.

No entanto, a melhor parte é a visita que se pode fazer aos porões do castelo, onde se situa a esplêndida vinícola Staaticher Hofkeller der Residenz. Nessa cave escura, iluminada por velas e povoada de barricas de carvalho ricamente esculpidas, pode-se degustar muitos bons vinhos como o Würzburg Stein 2006, um Sylvaner Trocken (seco), com deliciosas notas frutadas e minerais, e o Randersackerer Marsburg 2007, elaborado com a uva Rieslaner (uva híbrida das variedades Riesling e Sylvaner), um Spätlese encorpado e levemente adocicado, uma novidade absoluta para mim.

Cruzando a cidade a pé, e também a ponte sobre o Meno, chega-se aos pés de um monte que domina a cidade sobre o qual reina imponente a Fortaleza de Marienberg . Aqueles que estiverem com bom preparo físico podem subir as encostas do monte a pé, pelo caminho ladeado por vinhedos, e com uma vista espetacular da cidade e do rio. A visita ao castelo é muito mais interessante do que a comida e o vinho que se serve no restaurante. Melhor descer e comer no símpático restaurante Alte Mainmühle, à beira do Meno.

Finalmente, mas não por sua menor importância, deve-se visitar o Juliusspital , uma instituição de caridade que está para a Francônia assim como os Hospices de Beaune estão para a Borgonha. Fundado em 1576 pelo príncipe-bispo Julius Echter, com o objetivo de abrigar e curar dos doentes e inválidos pobres da região, é uma imponente construção barroca que abriga em seu interior o hospital e uma belíssima farmácia de manipulação em estilo rococó do século XVIII. Nos porões estão as caves da vinícola, onde repousam vinhos excelentes como o Würzburger Stein Silvaner 2006 e o Würzburger Stein Riesling Trocken 2006, sem dúvida os melhores que provei em toda a viagem. Para fechar a visita com chave de ouro deve-se jantar no Weinstuben Juliusspital, o restaurante anexo decorado com muito bom gosto, e que serve pratos da cozinha regional muito bem elaborados, além de ter uma excelente carta de vinhos.

VOLKACH

Bem menor do que Würzburg, mas tão antiga quanto, a cidadezinha de Volkach é a capital do vinho da Francônia. A cada ano a cidade é sede do Weinfest (Festa do Vinho) e elege a Princesa do Vinho de toda a região. Muito bonita e com boa estrutura para receber seus visitantes, a cidade e os arredores têm muito a mostrar ao enófilo interessado. Uma boa pedida é hospedar-se no Hotel Zur Schwane, um tradicional empreendimento familiar comandado pela simpática enóloga Eva Pfaff-Düker, situado bem no centro da vila que tem como atrativo suplementar possuir uma vinícola em seu subterrâneo. Muito boa também a gastronomia do hotel. Vá também até Sommerach, pequena vila a poucos quilômetros de Volkach, abriga a vinícola Der Winzerkeler. Seu moderníssimo show room, seu wine bar e as caves surpreendem pelo estilo arrojado. Destaque para seu Silvaner Supremus Spätlese Trocken 2006, um branco encorpado com 14º de álcool mas muito elegante, maduro e muito frutado.
BAMBERG

Essa antiga cidade, que também faz parte do Patrimônio Histórico da Humanidade, merece muito mais tinta e espaço tal a sua riqueza histórica e cultural, mas devo ser breve. Recentemente sua Orquestra Sinfônica visitou São Paulo, onde fez uma apresentação primorosa. Cortada por rios, é conhecida como a “Klein Venedig” (Pequena Veneza). Aqui a cerveja rouba a ribalta do vinho e uma indicação não pode deixar de ser feita: provar a cerveja artesanal , defumada, que fez a fama da região, no restaurante Mahrs-Brau- Keller.
Prost!!

AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT

Publicado na edição #34 / 2008 da revista ADEGA.

Aguinaldo Záckia Albert visitou a Francônia a convite do Centro de Turismo Alemão e da Lufthansa.

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